Em nosso artigo anterior, analisamos os padrões que regem o mercado voluntário de carbono. Hoje, voltamos nossa atenção para a força dominante que molda o mercado voluntário em escala global: o Verra. Operando o Verified Carbon Standard (VCS), o Verra é, em volume, o maior programa de certificação de GEE do mundo, funcionando como a espinha dorsal para milhares de projetos de mitigação climática.
Para qualquer profissional, consultor ou desenvolvedor de projetos na área de carbono, dominar o ecossistema Verra não é uma opção, é uma necessidade. Sua abrangência, a vasta biblioteca de metodologias e sua aceitação pelo mercado o tornam o padrão de fato para uma gama diversificada de projetos. Este guia detalhado servirá como um manual para entender sua estrutura, processo e aplicação estratégica.
O DNA do Verra: Escala, Rigor e Abrangência
Fundado em 2007, o Verra (originalmente The VCS Association) nasceu da necessidade de trazer rigor, consistência e credibilidade ao incipiente mercado voluntário de carbono. Sua missão é impulsionar o financiamento para ações climáticas e de desenvolvimento sustentável. Os projetos validados em seu programa VCS já foram responsáveis pela redução ou remoção de bem mais de um bilhão de toneladas de CO₂e da atmosfera.
O Programa VCS é construído sobre seis princípios fundamentais que garantem a integridade de cada crédito emitido, as Verified Carbon Units (VCUs):
- Real: As reduções de emissões devem ser comprovadamente resultado de ações concretas.
- Mensurável: Todas as reduções devem ser quantificadas de forma precisa, utilizando metodologias aprovadas e baseadas na ciência.
- Adicional: O projeto deve demonstrar que a redução de emissões não teria ocorrido na ausência da receita proveniente da venda dos créditos de carbono.
- Permanente: No caso de projetos de sequestro (como os florestais), deve-se garantir que o carbono removido não retorne à atmosfera. O VCS aborda isso através de um sistema de “buffer” (reserva de créditos) para mitigar riscos de reversão.
- Verificado Independentemente: Todos os projetos são auditados em múltiplas etapas por auditores de terceira parte credenciados (VVBs – Validation/Verification Bodies).
- Conservador: As estimativas e cálculos de redução de emissões devem ser conservadores, evitando a superestimação dos resultados.
O Ecossistema de Padrões Verra
O Verra gerencia um conjunto de padrões que podem ser aplicados de forma independente ou conjunta, criando um ecossistema de certificação robusto:
- Verified Carbon Standard (VCS): É o coração do sistema, o padrão fundamental para a certificação de qualquer projeto de redução ou remoção de GEE. Ele define as regras e metodologias para a contabilidade do carbono.
- Climate, Community & Biodiversity (CCB) Standards: Frequentemente utilizado em conjunto com o VCS, o padrão CCB certifica os “co-benefícios” de projetos de uso da terra. Um projeto com selo CCB comprova que, além de mitigar a mudança climática, ele também gera benefícios para as comunidades locais e para a conservação da biodiversidade. Projetos com a dupla certificação (VCS+CCB) costumam ter maior valor de mercado.
- Jurisdictional and Nested REDD+ (JNR): Uma estrutura inovadora para programas REDD+ em larga escala (nível de estados ou nações), permitindo que projetos individuais (aninhados ou “nested“) sejam integrados à contabilidade de carbono de toda uma jurisdição.
Tipologias de Projeto: Onde o Verra se Destaca?
A grande força do Verra é sua vasta biblioteca de metodologias, que cobre praticamente todos os setores. No entanto, ele é particularmente dominante em:
- Soluções Baseadas na Natureza (NBS), especialmente REDD+: O VCS é o padrão líder para projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal. Sua metodologia para Desmatamento Não Planejado Evitado (AUD), por exemplo, é a base para a maioria dos grandes projetos de conservação na Amazônia.
- Projetos Industriais e de Energia em Larga Escala: A robustez e a aceitação de mercado do VCS o tornam a escolha preferida para projetos de energias renováveis (eólicas, solares), captura de metano em aterros sanitários e minas de carvão, e eficiência energética industrial.
- Projetos de Inovação Tecnológica: O Verra possui metodologias para tecnologias emergentes, como o biochar e a captura e armazenamento de carbono (CCS).
O Manual do Projeto VCS: Um Passo a Passo Detalhado
Elaborar um projeto sob o padrão VCS é um processo técnico e estruturado. As etapas a seguir representam o ciclo de vida padrão de um projeto:
Fase 1: Concepção e Desenho do Projeto
- Passo 1: Seleção da Metodologia: O primeiro passo é encontrar, na biblioteca do VCS, a metodologia que se aplica à sua tipologia de projeto. Caso não exista, é possível propor uma nova metodologia, embora seja um processo longo e complexo.
- Passo 2: Elaboração do Documento de Projeto (PDD – Project Design Document): Utilizando o template do Verra, o desenvolvedor descreve detalhadamente o projeto, incluindo a linha de base, a comprovação da adicionalidade, os cálculos de redução/remoção de emissões e o plano de monitoramento. Se o projeto buscar a certificação CCB, um documento separado para este padrão também é elaborado.
Fase 2: Validação e Registro
- Passo 3: Contratação de uma VVB e Validação: O desenvolvedor contrata um auditor independente (VVB) para realizar a validação do PDD. O auditor avalia se o projeto está em total conformidade com as regras do VCS e da metodologia escolhida.
- Passo 4: Submissão e Registro no Verra Registry: Após um parecer positivo da VVB, o projeto é submetido ao Verra. Após uma revisão interna, o Verra lista o projeto como “registrado” em sua plataforma pública.
Fase 3: Monitoramento e Verificação
- Passo 5: Implementação e Monitoramento: O projeto é implementado e os dados de desempenho (ex: energia gerada, biomassa acumulada, etc.) são coletados conforme o plano de monitoramento.
- Passo 6: Verificação: Periodicamente, o desenvolvedor contrata uma VVB (pode ser a mesma da validação) para verificar os dados monitorados e confirmar a quantidade de reduções de emissões que ocorreram de fato durante o período.
Fase 4: Emissão dos Créditos
- Passo 7: Emissão das VCUs: Com base no relatório de verificação positivo, o Verra emite o volume correspondente de VCUs na conta do desenvolvedor no registro. A partir deste momento, as VCUs são ativos transacionáveis que podem ser vendidos a compradores ou aposentados para compensar emissões.
Análise Crítica: Prós e Contras do Padrão Verra
Prós:
- Alta Liquidez e Aceitação de Mercado: Sendo o padrão mais utilizado, seus créditos (VCUs) possuem a maior liquidez e são amplamente aceitos pela maioria dos compradores corporativos.
- Abrangência de Metodologias: Sua vasta biblioteca oferece “receitas” prontas para quase todo tipo de projeto, acelerando o processo de desenvolvimento.
- Escalabilidade: O framework é robusto e bem adaptado para projetos de grande escala, incluindo iniciativas industriais e jurisdicionais.
Contras:
- Críticas sobre a Integridade de Certas Metodologias: Algumas metodologias, especialmente as mais antigas de REDD+, foram alvo de críticas na imprensa e em estudos acadêmicos por, em alguns casos, potencialmente superestimarem as reduções de emissões. O Verra tem trabalhado continuamente para atualizar e aprimorar essas metodologias em resposta a essas críticas.
- Flexibilidade pode ser uma Faca de Dois Gumes: A mesma flexibilidade que permite uma ampla gama de projetos pode, se não for bem auditada, levar a projetos de menor qualidade em comparação com padrões mais prescritivos em co-benefícios como o Gold Standard.
- O Foco é o Carbono: Embora o padrão CCB exista, o foco primário do VCS é a contabilidade rigorosa do carbono. Os co-benefícios não são uma exigência mandatória, como no Gold Standard.
Verra: A Escolha Estratégica para Escala e Acesso ao Mercado
A decisão de utilizar o Verra é, para muitos projetos, a escolha mais pragmática e estratégica para garantir acesso ao mais amplo mercado possível. Sua liderança, liquidez e a abrangência de suas metodologias o tornam a infraestrutura fundamental do mercado voluntário.
No entanto, navegar por essa infraestrutura, selecionar a metodologia correta, desenvolver um PDD robusto e passar pelo crivo dos auditores é um trabalho que exige profundo conhecimento técnico e experiência. A qualidade da consultoria contratada para apoiar esse processo é, muitas vezes, o fator determinante para o sucesso do projeto.
Se a sua empresa ou projeto busca se certificar pelo padrão líder de mercado para maximizar a liquidez e o alcance de seus créditos de carbono, convido-o a iniciar uma conversa.
Podemos avaliar a aderência do seu projeto ao ecossistema Verra, selecionar a abordagem metodológica mais adequada e estruturar um caminho claro para a certificação, transformando seu impacto ambiental em um ativo de valor global.
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