No dia a dia da consultoria, a pergunta mais comum que recebo é: “Tenho uma área de floresta/uma usina de biogás/um projeto de energia solar, posso gerar créditos de carbono?”. Minha resposta invariavelmente começa com outra pergunta: “Qual é o seu objetivo principal?”.
Essa pergunta é importante porque a sua resposta nos fornece a direção para qual padrão devemos escolher: o Verra ou para o Gold Standard. Há outros bons padrões mas, por enquanto, vamos focar apenas nesses dois.
Já temos posts aqui no blog explicando cada um desses padrões, basta você clicar aqui para o Verra ou aqui para o Gold Standard. Mas, de forma simplificada, o Verra é o padrão mais utilizado no mundo, dominando o mercado em volume. Seu principal programa, o Verified Carbon Standard (VCS), é o “cavalo de batalha” do mercado, com uma vasta biblioteca de metodologias que cobrem desde florestas até processos industriais. Ele permite a certificação de co-benefícios (como biodiversidade e desenvolvimento comunitário) através de padrões adicionais, como o CCB (Climate, Community & Biodiversity), mas isso é, em geral, opcional.
O Gold Standard, por sua vez, nasceu de uma aliança de ONGs (liderada pela WWF) com a filosofia de que a ação climática não pode ser separada do desenvolvimento sustentável. Em um projeto Gold Standard, os co-benefícios — alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU — não são opcionais; eles são parte integrante e obrigatória do projeto. Isso o torna um padrão premium, muitas vezes alcançando um preço mais elevado por crédito, mas também com exigências de monitoramento social mais rigorosas.
Com essa distinção em mente, vamos explorar as principais tipologias de projeto.
1. O Gigante Verde: Projetos de Florestas e Uso da Terra (AFOLU)

Como biólogo, este é o setor que mais me entusiasma, pois é a vocação natural do Brasil.
- REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Desmatamentos Evitados): Este é, talvez, o tipo de projeto mais famoso e complexo. O conceito é proteger uma floresta existente que está sob uma ameaça comprovada e iminente de desmatamento (a “linha de base”). Ao evitar esse desmatamento, você gera créditos. O “+” do REDD+ significa que o projeto vai além de apenas evitar o desmatamento, incluindo a conservação da biodiversidade, o manejo florestal sustentável e o envolvimento das comunidades locais.
- Análise de Padrão: Este é o domínio de fato do Verra. O Verra, com suas metodologias VCS (como a VMD0055 para desmatamento não planejado), é o padrão que abriga a esmagadora maioria dos projetos REDD+ em larga escala no mundo, especialmente na Amazônia. O Gold Standard possui metodologias para manejo florestal e reflorestamento, mas historicamente não tem sido o padrão de escolha para projetos de desmatamento evitado em larga escala, dadas as suas complexas exigências de adicionalidade e envolvimento comunitário aplicadas a esse escopo.
- A/R (Aflorestamento e Reflorestamento): Diferente do REDD+, aqui o objetivo é remover carbono da atmosfera plantando árvores. O Aflorestamento ocorre em áreas que historicamente não possuíam floresta, enquanto o Reflorestamento recupera áreas que foram desmatadas no passado.
- Análise de Padrão: Ambos os padrões, Verra e Gold Standard, possuem metodologias robustas para projetos de A/R. A escolha aqui dependerá do perfil do projeto. Um projeto de A/R em larga escala, focado em alta produtividade de biomassa e sequestro de carbono, pode encontrar um caminho mais direto no Verra. Um projeto de A/R focado na restauração de nascentes, com forte envolvimento de pequenos agricultores e foco na segurança hídrica local, terá um apelo imenso para a certificação Gold Standard, que valorizará e monetizará esses co-benefícios de ODS.
- IFM (Improved Forest Management ou Manejo Florestal Melhorado): Aqui, o projeto atua em uma floresta que já está sob manejo comercial (legalizado) para extração de madeira. A intervenção busca reduzir o impacto da extração e/ou aumentar a produtividade da floresta (ex: técnicas de colheita de impacto reduzido, ciclos de corte mais longos), resultando em um estoque de carbono maior do que o cenário de linha de base.
- Análise de Padrão: Ambos os padrões aceitam projetos de IFM, cada um com suas próprias metodologias aprovadas.
2. A Revolução Industrial e Energética
Este setor foi o berço do mercado de carbono, no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) da ONU, e segue relevante no mercado voluntário.
- Energias Renováveis (Eólica, Solar, Hídrica de Pequena Escala): O objetivo é simples: construir uma nova usina de energia limpa (solar, eólica, etc.) em um local onde a energia da rede elétrica é “suja” (dominada por termelétricas a carvão ou gás). Os créditos são gerados ao “deslocar” essa energia fóssil para as fontes limpas de carbono.
- Análise de Padrão: O Gold Standard tem um histórico fortíssimo aqui, pois essa foi uma de suas áreas de foco originais. O Verra também possui metodologias amplamente utilizadas. Atenção: O grande desafio para novos projetos de energia renovável hoje é provar a adicionalidade. Em 2025, construir um parque solar é, em muitos lugares, mais barato que uma termelétrica. O desenvolvedor precisa provar que o projeto não aconteceria de qualquer forma, sem a receita dos créditos de carbono. Isso está cada vez mais difícil, fazendo com que o interesse do mercado migre para outras tipologias.
- Troca de Combustível (Fuel Switching): Refere-se a projetos industriais que substituem um combustível fóssil por uma alternativa mais limpa. O exemplo clássico no Brasil é uma cerâmica que deixa de usar óleo combustível pesado (OCP) ou coque de petróleo em seus fornos e passa a usar biomassa renovável e sustentável (como cavaco de madeira de reflorestamento certificado).
- Análise de Padrão: Ambos os padrões possuem metodologias para isso. O segredo aqui é garantir a sustentabilidade da biomassa; caso contrário, você pode estar apenas trocando um problema por outro (desmatamento).

3. O Potencial “Oculto”: Resíduos e Projetos Comunitários
- Tratamento de Efluentes e Dejetos Animais: Esta é uma oportunidade imensa e muitas vezes ignorada. Em grandes complexos agroindustriais (suinocultura, bovinocultura) ou indústrias (frigoríficos, laticínios), os resíduos líquidos são frequentemente tratados em lagoas anaeróbias abertas. Esse processo libera metano (CH4), um gás de efeito estufa mais de 25 vezes mais potente que o CO2. O projeto de carbono consiste em cobrir essas lagoas ou instalar biodigestores para capturar esse metano e queimá-lo (transformando-o em CO2, muito menos danoso) ou, melhor ainda, usá-lo para gerar energia.
- Análise de Padrão: Projetos de biogás são muito bem-vindos em ambos os padrões e são altamente valorizados por seus claros co-benefícios (redução de odor, saneamento, geração de energia limpa).
- Fogões Eficientes e Filtros de Água (Projetos Comunitários): Em muitas comunidades rurais, a comida é feita em fogões a lenha ineficientes, e a água é purificada pela fervura. Isso gera emissões (pela queima) e contribui para o desmatamento local. Um projeto pode financiar a distribuição de fogões eficientes (que usam muito menos lenha) ou filtros de água (que eliminam a necessidade de ferver).
- Análise de Padrão: Este é o território clássico do Gold Standard. Esses projetos são o exemplo perfeito de alinhamento entre redução de emissões e ODS (saúde, pobreza, igualdade de gênero), que é o DNA do GS.
Como Montar o Quebra-Cabeça: Metodologias e Consultores
Um projeto não existe sem uma metodologia. A metodologia é a “receita” técnica e cientificamente aprovada pelo padrão que detalha, passo a passo, como calcular a linha de base, provar a adicionalidade e monitorar as reduções. Você não inventa uma metodologia; você escolhe uma existente na biblioteca do Verra ou do Gold Standard que se aplique perfeitamente ao seu projeto. Para isso, você vai precisar encontrar o consultor certo que apontará a melhor solução para você.
E como encontrar os consultores certos? Um projeto de carbono robusto nunca é feito por uma pessoa só. Você precisa de uma equipe multidisciplinar:
- O Desenvolvedor/Consultor Líder (A Autoridade): É o “maestro” do projeto. Este profissional entende as nuances dos padrões, a viabilidade financeira, os riscos e coordena todas as outras frentes. É o ponto de contato principal para o cliente e os auditores. E é justamente aqui onde eu atuo.
- Especialistas Técnicos: São os biólogos e engenheiros florestais (para AFOLU), engenheiros químicos ou sanitaristas (para efluentes e biogás) ou engenheiros de energia (para renováveis). Eles fazem o trabalho de campo, os cálculos e o inventário.
- Especialistas Sociais/Fundiários: Essenciais em projetos de floresta, são os advogados e sociólogos que farão a due diligence fundiária (para garantir que a terra é regular) e o engajamento comunitário.
Conclusão: A Escolha Estratégica
Como consultor, meu conselho é claro: não escolha o padrão pelo nome, mas pela estratégia.
Se você tem um projeto REDD+ de larga escala e quer acessar o mercado com maior liquidez? O Verra (VCS) é seu caminho mais provável. Agora, se você tem um projeto de reflorestamento comunitário, um sistema de biogás ou um projeto de fogões eficientes e quer acessar compradores premium dispostos a pagar mais pelo impacto social comprovado? O Gold Standard foi feito para você.
Dominar essas diferenças é o que transforma um consultor júnior em um especialista e o que garante a um cliente que seu investimento não está apenas mitigando o clima, mas construindo um legado sustentável.
Se a sua organização está desenvolvendo um projeto de carbono ou buscando adquirir créditos de alta integridade para cumprir suas metas de sustentabilidade, convido-o a entrar em contato.
Podemos analisar as particularidades do seu caso e definir a melhor estratégia de certificação para maximizar o valor e o impacto do seu ativo ambiental, garantindo que seu investimento gere resultados sólidos e reconhecidos globalmente.
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